sexta-feira, 3 de outubro de 2025

FERIDOS EM NOME DE DEUS

 

Poucas coisas são tão dolorosas quanto ser ferido em nome de Deus. O mesmo nome que deveria transmitir cura, reconciliação e vida abundante é, muitas vezes, utilizado como espada para cortar, julgar e aprisionar. A fé, que deveria libertar, pode ser distorcida em um instrumento de opressão.

Jesus mesmo advertiu sobre isso. Em Mateus 23, Ele denuncia os fariseus que "atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem sobre os ombros dos homens, eles porém, nem com o dedo querem movê-los". A crítica de Cristo não era contra a Lei em si, mas contra a forma como ela era usada: não para levar o povo a Deus, mas para controlar, humilhar e excluir. O nome de Deus se tornava uma capa para a vaidade humana.

Filosoficamente, podemos lembrar de Nietzsche quando acusa o cristianismo institucionalizado de se tornar uma moral de repressão. Embora sua crítica seja radical e muitas vezes injusta, ela acerta em um ponto: quando a religião perde sua essência de vida e graça, transforma-se em moralismo que adoece, em vez de libertar.

Ser ferido em nome de Deus cria feridas duplas: a dor humana do julgamento e a confusão espiritual de sentir-se rejeitado pelo próprio Criador. Aquele que ouve "Deus não te aceita" pode carregar cicatrizes que o afastam não só da igreja, mas da fé em si.

O apóstolo Paulo também reconhecia esse perigo. Em Romanos 2:24 ele cita o profeta Isaías: "O nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vós". Quando os representantes da fé distorcem o caráter de Deus, o resultado é ferida e escândalo.

A filosofia existencialista, como em Kierkegaard, mostra que a fé verdadeira é salto de confiança, um encontro pessoal com Deus. Mas quando instituições ou líderes tentam se colocar entre o homem e Deus como donos exclusivos da verdade, criam um simulacro de fé. Em vez de guiar para Cristo, bloqueiam o acesso a Ele.

É curioso que Jesus sempre esteve do lado dos feridos. Ele não expulsava pecadores, mas os acolhia. Tocava leprosos, comia com publicanos, dialogava com samaritanos. Os que se diziam "em nome de Deus" é que feriam e excluíam. Ele é a prova viva de que Deus não é aquele que fere com a religião, mas que cura com a graça.

Isaías 61 profetiza o Messias como aquele que viria "curar os quebrantados de coração". Não é irônico? O Deus que alguns usam para ferir é o mesmo que veio ao mundo para sarar.

A saída para quem foi ferido em nome de Deus é olhar novamente para Cristo. Não para a caricatura que homens criaram Dele, mas para o próprio Evangelho. Ele mesmo declarou: "Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para a vossa alma" (Mateus 11.29).

E aqui entra também a filosofia cristã da liberdade: Paulo insiste em Gálatas 5:1 que "para a liberdade Cristo nos libertou". Ser cristão é andar em liberdade, não em grilhões de culpa e medo impostos por lideranças adoecidas.

O maior antídoto contra as feridas religiosas é redescobrir que Deus não é dono de chicote, mas Pai amoroso. Que a fé não é prisão, mas caminho de vida. Que a cruz não é símbolo de acusação, mas de reconciliação.


FONTE:  https://matriz.lagoinha.com/publications/feridos-em-nome-de-deus

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