quinta-feira, 5 de março de 2015

BORRÕES

A cidade me parece tão despreocupada com o vai e vem de um corre-corre desenfreado e seus pequenos lampejos de raios de sol que tentam abrir espaço entre as nuvens densas.
Estou como um observador sentado em uma das poltronas do ônibus que faz o traslado até o aeroporto. Ninguém está na poltrona ao meu lado; tenho pessoas ao meu redor, porém, tudo inspira solidão. A companhia é a música que desperta meus sentidos e tenta dar um pouco de significado ao caminho que me levará a mais um destino.

Um olhar atento e percebo que os “companheiros” são os celulares, enquanto as pessoas estão lado a lado, cheias de suas próprias histórias, possibilidades de uma boa conversa. Nesse momento, em mim brota um desejo de dizer “chega! Onde todos nós escondemos nossa humanidade?”. Seremos escravos de um sistema programado para isolar, fazer produzir e perder a sensibilidade?
Finalmente, chego ao aeroporto e minha surpresa é apenas um aumento incontável de dispositivos móveis, corredores e seus engravatados, famílias, atletas (será que rola um artista?). Sim, escuto algumas poucas conversas; todas elas carregadas de uma agenda apertada, de um atraso no voo, desinformações, troca de portão… E a vida segue.
Segue para aonde? Para cada vez mais longe do outro, para a falsa ilusão de que minha vida está caminhando e ter tempo com o outro é, na verdade, perder tempo?
Pressa, pressa mais depressa, e assim vamos nos permitindo ser envolvidos e muitas vezes engolidos pela máquina opressora e fadada ao fracasso com cara de sucesso; afinal de contas, o mundo não pode parar.
Parar, isso sim seria interessante. E se tudo parasse numa pane geral e eu e você nos víssemos cercados apenas pelo outro? Será que faltariam palavras, não saberíamos lidar com a situação do olho no olho, do ter que se desconectar do mundo virtual e viver a vida real?
Seria exagero de minha parte ou a constatação é que, na realidade, caminhamos para trás como humanidade e as relações estão se tornando frias, instáveis e passageiras?

Diante desse quadro cheio de borrões, convoco os conscientes a não permitirem que esse seja o resumo da ópera de nossos dias.
:: Jeverton Ledo – Ultimato
FONTE: http://www.lagoinha.com/ibl-vida-crista/borroes/